A cidadania em tempos de pandemia de coronavírus
- Grupo Editorial
- 15 de jun. de 2020
- 3 min de leitura
Carlos Eduardo Tauil
Poliarquia - Revista de Política & Cultura
ISSN 2675-3529 - Volume 1 - ed008 - 2020
Recebido: 10.06.2020
Aceito: 13.06.2020
Publicado: 15.06.2020
O momento é de hecatombe mundial. De dezembro de 2019 até junho de 2020, um vírus atravessou o planeta, infectando mais de seis milhões de pessoas e produzindo uma crise inimaginável até pouquíssimos meses atrás. É como se, em pouco mais de cinco meses, tivessem explodido quatro bombas atômicas de Hiroshima[1] ao redor do mundo.
O mundo vive, neste exato momento, uma série de questionamentos e o tema da “cidadania” há muito tempo não estava tão em evidência quanto nos últimos meses. Se durante todo o século XX, tentou-se buscar a melhor forma de definição e aplicação deste conceito, a pandemia do coronavírus nos mostrou que até este momento nós falhamos.
O tema da “cidadania” é antigo, mas a “cidadania”, tal qual nós conhecemos, somente foi descrita e publicada pelo sociólogo britânico Thomas Marshall, em seu livro “Cidadania e Classe Social”. E, segundo o autor, a “cidadania” para se efetivar precisava contemplar três categorias básicas (MARSHALL, 1963):
1. Direito de primeira geração: Direitos Civis (direito à vida; direito à liberdade de expressão; direito de ir e vir, dentre outros).
2. Direito de segunda geração: Direitos Políticos (direito à escolha de governantes, a fiscalização de suas condutas, dentre outros).
3. Direito de terceira geração: Direitos Sociais (direito à educação; direito à saúde; direito à moradia; direito à alimentação, dentre outros).
Desde o fim da década de 1960 até o início da pandemia do coronavírus, o mundo debatia que a efetivação da “cidadania” precisava agregar outros direitos, que não somente os de primeira, segunda e terceira geração. O fato é que ao se deparar com uma hecatombe mundial, nós conseguimos perceber com clareza que o quê a sociedade estava produzindo, em termos de organização social, não deu conta de garantir nem os direitos de primeira geração. A vida humana foi colocada em xeque. Toda a “cidadania” foi colocada em xeque.
Assim como os efeitos da bomba atômica em Hiroshima (1945) devastaram tudo o que encontrou pela frente, ou os desastres nucleares de Chernobyl (1986) e de Fukushima (2011), o vírus causador desta pandemia saiu dos rincões da China para causar calamidade do oriente ao ocidente do planeta. Não há fronteira territorial e nem barreira social para um contágio que se dá pelo ar que todos e todas respiramos, no entanto se o vírus é democrático na contaminação, ele expressa de maneira radical o abismo social que há em seu tratamento.
Diante do infortúnio, abre-se a brecha para uma pergunta: o quê fazer a partir de agora? A pergunta é válida, pois a pandemia do coronavírus vai passar (via alguma vacina ou algum tratamento de controle). Pode demorar mais alguns meses ou alguns anos, mas vai passar. Contudo, com a mesma certeza de que afirmamos que a pandemia vai passar é possível afirmar que outras crises virão. Crises de saúde pública? Crises financeiras? Crises ambientais? Não sabemos, mas elas virão. E, então, como as enfrentaremos?
É neste sentido que o mundo deve se colocar diante de novas reflexões sobre as formas de viver e conviver. A organização social, as relações entre Estado e Sociedade e/ou Governantes e Governados precisarão ser repensadas - esta é uma tarefa que urge e cabe a nossa geração.
A “cidadania”, a partir de agora, deverá ser repactuada e nas palavras do Professor Noam Chomsky[2] o mundo precisará de um “Green New Deal”[3] (CHOMSKY, p. 133, 2017) em que a relação entre o público e o privado, que permeava nossa sociedade até o início da pandemia, vai necessitar pautar-se por um crescimento econômico sustentável, responsável e umbilicalmente ligado com o desenvolvimento das condições humanitárias mínimas, como as estabelecidas pelo britânico Thomas Marshall, de “cidadania” em todo o mundo e para todo o mundo, literalmente.
[1] Referência ao ataque nuclear realizado ao fim da II Guerra Mundial, na cidade japonesa de Hiroshima, que fez mais de 100 mil mortes entre dois e quatro meses após a sua explosão. [2] Professor emérito do Instituto de Tecnologia de Massachusetts – EUA. [3] O Professor Noam Chomsky faz referência ao “New Deal” - um pacto entre poder público, toda a iniciativa privada empresarial e a sociedade civil que reconstruiu o mundo ocidental após o Crash da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929.
Carlos Eduardo Tauil é graduado em Direito, Mestre em Ciências Sociais (UNIFESP), Doutorando em Ciências Sociais (UNESP). Pesquisador do Laboratório de Política e Governo (LabPol/UNESP) e do Grupo de Pesquisa Sociologia, Política e Cidadania. Atualmente é docente na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Penápolis (FAFIPE/FUNEPE), onde coordena a pós-graduação (especialização) em Diversidade, Inclusão e Cidadania. E-mail: cadutauil@hotmail.co
Referências CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2011.
CHOMSKY, N. Global Discontents: Conversations on the Rising Threats to Democracy. New York: Metropolitan Books Press, 2017.
MARSHALL, T. Cidadania e Classes Sociais. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1963.
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