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O direito à propriedade não é endereçado ao MST

  • Foto do escritor: Grupo Editorial
    Grupo Editorial
  • 11 de nov. de 2023
  • 7 min de leitura

Anthony Henrique de Azevedo Matos



Poliarquia - Revista de Política & Cultura


ISSN 2675-3529 - Volume 3 - ed003 - 2023


Recebido: 10.08.2023


Aceito: 12.09.2023


Publicado: 11.11.2023




Este ensaio tem como objetivo responder a seguinte problemática: Como o direito natural de propriedade pode inferir sobre a criminalização do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)? Primeiramente, o que é o MST? Sucintamente, este é um movimento social, de massa, autônomo e tem como finalidade organizar as trabalhadoras e os trabalhadores rurais em prol da conquista da reforma agrária. O MST foi fundado em 1984 e nestes 39 anos tem se organizado em assentamentos e acampamentos, com lema e objetivo: "Terra para quem trabalha nela". Assim, o movimento tem desenvolvido uma luta por terra, reforma agrária e mudanças sociais no país (MST, 2023).


O MST atua através de ocupações em que são estabelecidos acampamentos. Eles são instalados em propriedades que não estão cumprindo a função social, conforme estabelecido no artigo 186 da Constituição Federal de 1988. “A função social é cumprida quando a propriedade rural deve atender, os seguintes critérios: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (BRASIL, 1988).

Nos solos dos acampamentos os integrantes do MST ocupam a propriedade com o intuito de pressionar as autoridades a desapropriar a terra, logo em seguida as famílias assentadas entram com o processo de usucapião para conseguir a posse, no entanto é um processo que demora anos. Em 39 anos de história o movimento ocupou mais de 8 mil latifúndios, foram mais de 350 mil famílias assentadas, dentre outras conquistas. (MST, 2023).


Por causa dessa forma de agir, o MST encontrou inúmeros adversários, principalmente os proprietários que não estão cumprindo a função social da terra. No dia 26 de abril de 2023, foi instaurada a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados destinada a investigar a atuação do grupo, do seu real propósito, e seus financiadores (Brasil, 2023).


Ao averiguar o real propósito do MST, neste sentido, a Câmara está em defesa de uma classe minoritária que se apropriou de grande parte das propriedades (a classe burguesa, segundo Karl Marx, & Engels no Manifesto do Partido Comunista, em 1948). Para os autores, o motor da história é a luta entre classes antagônicas, no moderno Estado, do qual descende o nosso Estado contemporâneo. Existem duas classes opostas: os burgueses, que são os detentores dos meios de produção, ou seja, os ricos; e a classe proletária, que são os trabalhadores livres, que não possuem nada senão a sua força de trabalho, isto é, os pobres (Marx, 1998). Tanto no Estado moderno quando no atual Estado em que vivemos, essas classes são as engrenagens que movem um sistema econômico-social-político, o Capitalismo, que tem como um dos pilares fundamentais a apropriação e o acúmulo de propriedades.


Por meio do apoderamento das propriedades na mão de poucas pessoas, junto à alienação do trabalhador em relação a suas obras, o Capitalismo se desenvolveu. Em virtude disto, a classe burguesa estruturou o Estado moderno com a finalidade de garantir seu domínio sobre a classe proletária (Marx, 1998). Desse modo, podemos afirmar que é este um sistema desigual, que se mantém por meio da manutenção da desigualdade entre classes sociais, com o Estado pendendo para os ricos, em detrimento dos pobres.


Benjamin Constant no início do século XIX, em seu discurso onde defendeu a liberdade individual dos modernos, em comparação à liberdade coletiva dos antigos deliberou sobre o uso do dinheiro como fonte de poder político, pois quem possui o acúmulo de capital também possui riqueza, por sua vez a riqueza segundo o autor, é mais disponível, aplicável, real, e mais fácil de obedecer (CONSTANT,2019). Como o direito à propriedade é individual e não coletivo, na modernidade, ele pende para o indivíduo que possui mais dinheiro, diferentemente da antiguidade, onde a propriedade poderia ser tomada pelo soberano, e redistribuída. Na modernidade, a propriedade passou a ser atrelada ao comércio, e "o comércio dá à propriedade uma qualidade nova", qualidade da circulação, sendo que esta circulação para o autor "põe um obstáculo invisível e invencível a ação do poder social" (CONSTANT, 2019).


Segundo Benjamin Constant, além da propriedade, o comércio é responsável por emancipar o indivíduo, assim como criou o sistema de crédito, sistema este fundamental para os modernos, pois o crédito leva ao acúmulo de dinheiro, é a riqueza (CONSTANT, 2019). Para os modernos, "liberdade individual é a verdadeira liberdade política" (idem). Logo aquele indivíduo que possui riqueza, conquista maior liberdade para ir em busca dos seus interesses particulares, bem como garantir os seus direitos individuais.


De maneira sucinta podemos compreender que o MST é um movimento constituído por pessoas pobres em sua maioria, onde as famílias que fazem parte do grupo estão em busca da reforma agrária. Todavia, o direito à propriedade é um direito individual e não coletivo, e no Capitalismo ele o é para o indivíduo rico. Apesar disso, de certa forma, o MST está empenhando-se em busca do direito natural de propriedade, direito este proveniente do pensamento liberal que é um dos pilares do Estado moderno - o sistema capitalista.


O direito natural de propriedade foi formulado pelo filósofo liberal inglês John Locke no século XVII, descrito no Segundo Tratado sobre o Governo. Para o John Locke "cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa. A esta ninguém tem direito algum além dele mesmo". A propriedade é um tema crucial para o autor, sendo esta a razão para comunidade de homens se submeterem ao governo. Neste sentido, o governo é responsável por preservar esta propriedade. Desse modo, as obras de sua mão são propriedade do homem, assim como qualquer coisa que o “homem” retira da natureza e soma ao seu trabalho a converte em sua propriedade (Locke,2005).


Logo, a propriedade deixou de ser do direito comum, por causa do trabalho do homem ao bem, segundo Locke nenhum homem terá o direito sobre esta propriedade, “enquanto houver bastante de igual quantidade do bem para os demais” (Locke,2005). Além do labor como condição para introduzir a propriedade particular, outra forma de se obter propriedade, se dá por meio da utilização do dinheiro, pois com o dinheiro é possível comprar propriedade (idem).


"Terra para quem trabalha nela" é o principal objetivo do MST, tal objetivo se assemelha com o direito natural de propriedade pensado pelo Locke no Século XVII, quando nos referimos ao trabalho: o labor pode ser a origem da propriedade particular, todavia o próprio Locke afirma que o dinheiro pode ser usado como moeda de troca por bens (Locke,2005). Neste sentido, o indivíduo que possui dinheiro, se quiser pode sair comprando propriedades rurais, desde que pague por elas. Contudo, na contemporaneidade terras rurais e urbanas podem ser adquiridas com moedas, porém para serem mantidas deve-se cumprir a função social conforme previsto em nossa constituição.


As terras que o MST ocupa são as propriedades que não estão cumprindo com a função social. Dito isto, por que um dos objetivos da CPI é investigar o "real propósito do MST"? Não está claro que o grupo luta por reforma agrária? Talvez seja pelo motivo da Câmara estar privilegiando um grupo de indivíduos que possuem terras, porém não arcam com a função social, e se valem de sua individualidade para acumular propriedades.


Segundo MACPHERSON, por mais que John Locke no século XVII não tivesse consciência de que a individualidade que defendia negaria a individualidade - em seu próprio pensamento havia a suposição da diferenciação entre indivíduos, justamente pelo dinheiro, o que gerou uma “teoria das cidadanias distintas no Estado”. Segundo o autor, tal teoria justificaria o surgimento de classes no Estado em que a plena individualidade se desenvolve a partir do consumo da individualidade dos outros (MACPHERSON, 1978). O direito natural de propriedade serviu como embasamento para a apropriação individual no capitalismo (idem).


Quem pode consumir a individualidade dos outros? A classe rica que se apoderou das propriedades e expropriou o trabalho dos trabalhadores, a classe que vive por meio da acumulação de bens do trabalho da outra classe, aquela que estruturou o estado para estar a seu dispor, conforme assinalou Marx.


Contudo, o MST está em busca de um direito possível dentro do sistema capitalista, pois a reforma agrária não mudaria o sistema sem si, mas sim abriria a possibilidade de as famílias assentadas em acampamentos terem acesso à propriedade, e a partir do trabalho, produzir o seu sustento. Portanto, inegavelmente, o empenho do grupo se encontra localizado em um dos direitos que fundaram o capitalismo.


A proposta deste ensaio era refletir: Como o direito natural de propriedade pode inferir sobre a criminalização do MST? A resposta é que o MST está em busca deste jusnaturalismo em relação à terra, mas tal objetivo é deturpado por boa parte dos integrantes da CPI em Brasília, cujo intento é apontá-lo como um grupo de criminosos que não respeitam o direito à propriedade. Todavia, o que os participantes do movimento desejam é ter propriedade, em contraposição a latifundiários ilegais que não querem abrir mão das terras que acumulam, visto que a classe burguesa acredita que este direito deve ser restrito a ela. Diante de tudo o que foi discutido até aqui, observo que o direito natural de propriedade se tornou um privilégio de uma classe em detrimento de outra, e em decorrência disto, pode ser usado para criminalizar o MST.


Referências


BRASIL. Constituição Federal, 1988.


BRASIL. Congresso, Câmara dos Deputados, CPI nº3, 2023.


CONSTANT, Benjamin. Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos (1819). Revista de Filosofia Política. 2019


LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 2005.


MACPHERSON, C.B., "Locke: a teoria política de apropriação", in A teoria política do individualismo possessivo (De Hobbes a Locke), R.J. Ed. Paz e Terra, 1979.


MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. [1848] Manifesto Comunista. Tradução de Álvaro Pina. São Paulo: Boitempo Editorial, 1998.


MST. O MST, 2023. https://mst.org.br.



Anthony Henrique de Azevedo Matos

Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará.Mestrando do Progama de Pós-Graduação em Ciência Política na Universidade Federal do Pará. E-mail: azevedoh511@gmail.com

 
 
 

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