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O general Sylvio Frota entre o poder e as redações: conflito e queda de um ministro...

  • Foto do escritor: Grupo Editorial
    Grupo Editorial
  • 30 de mai. de 2020
  • 7 min de leitura

Atualizado: 11 de jun. de 2020

Flávia Sanches de Carvalho




Poliarquia - Revista de Política & Cultura

ISSN 2675-3529 - Volume 1 - ed004 - 2020

Recebido: 29.05.2020

Aceito: 30.05.2020

Publicado: 30.05.2020



O atual momento político pelo qual passa a sociedade brasileira marcado pelas tensões institucionais agravadas pela presença massiva dos militares no alto escalão do governo traz à tona um outro período igualmente difícil da história recente do Brasil, o período da ditadura militar. Naquele período, assim como agora, a impressa teve um papel de destaque na visualização dos conflitos internos palacianos. Nesse sentido, buscamos aqui problematizar um desses conflitos que acabaram, como veremos, tensionando, o processo sucessório que elegeria o último presidente do regime militar brasileiro. Assim, buscando lançar luz ao anunciado, se analisarmos o trabalho de Ana Mascia Lagôa(1), uma jornalista da Folha de S. Paulo dedicada a cobrir especificamente a área militar no governo Geisel, reconhecemos diversos atores e instituições que fizeram do governo Geisel e do processo sucessório que elegeu o general Figueiredo a presidente, um momento ímpar do regime militar, muito em função do papel desempenhando pelo general Sylvio Frota que ocupou um dos postos mais importantes do período, a saber: o ministério do Exército. O ministro e general Sylvio Frota protagonizou grande parte dos conflitos envolvidos na sucessão do presidente Ernesto Geisel, conflitos esses que ganharam as páginas dos mais diferentes jornais, sendo pauta principal do trabalho da jornalista em questão, em suas matérias para a Folha(2). Sylvio Frota exerceu o cargo de ministro do Exército entre 1974 e 1977 e era conhecido por ser anticomunista “linha dura” e que, no final de sua atuação como ministro, deixou público seu distanciamento em relação ao governo Geisel, para o qual teceu críticas severas, o considerando “ideologicamente à esquerda” e se colocando, já a partir de meados de 1976, com a intenção em suceder a Geisel na presidência o que deu maior complexidade à dinâmica política do período, notadamente até sua demissão, em outubro de 1977. Cabe aqui recuperar que Frota chegou ao ministério mais importante daquele momento histórico tendo como seu antecessor o general Orlando Geisel, ministro do Exército de 1969 a 1974 e irmão do presidente recém-eleito. Sobre o irmão, em seu depoimento à D’Araujo e Castro (1997) Ernesto Geisel afirma que a relação com seu irmão Orlando era de amizade, porém, suas opiniões divergiam em muitos aspectos. Ademais, no entendimento do presidente, não seria viável mantê-lo no cargo, pois, seriam dois irmãos nos dois cargos mais altos do governo brasileiro (D’ARAUJO; CASTRO, 1997).

O novo ministro, segundo as matérias analisadas, teria que aglutinar as forças armadas e, ao mesmo tempo ser um homem da confiança do presidente. Assim, como sucessor do irmão, o presidente indicou o general Vicente de Paulo Dale Coutinho que, inclusive, chegou a ocupar o ministério durante os primeiros meses do governo, mas, devido a uma parada cardíaca em maio de 1974, acabou falecendo, sendo sucedido pelo general Frota, que era o próximo na hierarquia militar, mas não era, por suposto, um homem de confiança de Geisel e não havia feito parte do projeto político do recém empossado governo que, mesmo que timidamente, falava em abertura política. Os primeiros abalos no regime, e por consequência na relação entre o ministro e o presidente, tiveram como cerne os embates entre o governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins e o comandante do II Exército, general Ednardo D’Avila Mello em decorrência da evidenciação da violência no Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) em São Paulo. O primeiro atrito que coloca o governo estadual e o comandante do II Exército em campos opostos foi a invasão do Instituto de Arquitetos de São Paulo e a intimação do arquiteto Eurico Prado Lopes para prestar esclarecimentos no DOI-CODI. Em decorrência desse episódio, segundo Markun (2015) o governador foi procurado pessoalmente pelo arquiteto e sua esposa, que foram avisados por familiar que o arquiteto seria preso pelo DOI-CODI, e diante disso, procuraram Paulo Egydio para que ele intervisse pessoalmente na situação. Gaspari (2004), acrescenta que governador fez contato, ainda naquela noite, com o general Golbery do Couto e Silva e com o Marechal Ademar de Queiroz. No dia seguinte foi divulgado que a intimação contra o arquiteto havia sido suspensa (GASPARI, 2002). Em seguida, houve o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 25 de outubro de 1975 e decorrência uma “caça às bruxas”, empreendida pelo Regime contra o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Como se sabe, o jornalista foi levado ao DOI-CODI para prestar esclarecimentos sobre suas relações com o partido. Poucas horas depois, estava torturado e assassinado. As condições da morte do jornalista geraram grande repercussão na opinião pública dentro e fora do país e provocaram a cobrança de esclarecimentos por parte da imprensa e da sociedade sobre sua morte ocorrida dentro das dependências do órgão militar. Pouco tempo depois, em 17 de janeiro de 1976, ocorreu o assassinato do operário Manoel Fiel Filho, por dois agentes do DOI-CODI, nas mesmas circunstâncias da de Herzog, também sob a acusação de pertencerem ao PCB. No dia seguinte de sua prisão, os órgãos de segurança emitiram uma nota oficial afirmando que Manoel havia se enforcado em sua cela com as próprias meias. Porém, de acordo com colegas, quando preso, usava chinelos sem meias. A partir daí ficou impossível para o ministro evitar a exoneração do colega, que foi conduzida pelo presidente Geisel. A exoneração do general Ednardo do comando do II Exército abalou as forças armadas, pois, segundo se depreende das leituras das matérias disponíveis no acervo, foi muito mal recebida, pois passou a impressão de que um general teria sido “punido por punir a subversão”. O afastamento do general Ednardo teria tido duas finalidades, segundo analisamos, seria uma forma de punição e ao mesmo tempo uma demonstração de força do presidente que, se por um lado, fortaleceu Geisel politicamente, por outro lado, repercutiu negativamente na área militar, a partir do entendimento de que os “governos revolucionários” não poderiam ter homens fortes. O ministro do Exército, a partir da exoneração do comandante do II Exército passou a desempenhar um papel mais político e buscou contato direto com a tropa, para se fortalecer dentro do governo. Todavia, em umas das matérias da jornalista Ana Lagôa, fica claro que isso também era um problema, pois em meio as tensões daqueles tempos, um título de um de seus trabalhos recuperava a fala do comandante do III Exército: “Militar não pode fazer declarações”. Interessante adiantar que a fala em questão foi do general Fernando Belfort Bethlem que acabou por ser o sucessor de Frota após sua queda. Em meio à busca por fortalecimento político o general Frota protagonizou uma das falas mais polêmicas do Regime Militar, fala essa que ocorreu durante a solenidade em comemoração ao dia do Soldado em agosto de 1977. Ao homenagear o patrono do Exército, Duque de Caxias, o ministro falou sobre a disciplina militar, ressaltando que ela era um dos fundamentos da vida castrense, fazendo questão de reforçar que ele nunca a exerceu para tripudiar sobre a dignidade de seus subordinados. Segundo o discurso publicado pela Folha de S. Paulo ele “tinha pela lei profundo respeito, pois sabia que a lei é a força, repelindo a amoralidade do conceito de que a força é a lei” (Folha de São Paulo, 1977). No entanto, o discurso de Frota trazia um tom de despedida por dois motivos que o próprio Frota reconheceu em suas memorias: o primeiro é que ele já tinha conhecimento que estava para ser exonerado e o outro é que o presidente Geisel solicitou que seu discurso lhe fosse mostrado antes da leitura (FROTA, 2006). Grosso modo, existiu a configuração de dois movimentos de Frota: primeiro, o posicionamento político do ministro que buscou apoio político na facção “linha dura” da tropa se colocando publicamente desfavorável à atuação do presidente no Planalto e, segundo, o movimento de queda de Frota que começou a cair com a saída do general Ednardo do comando do II Exército em São Paulo. Segundo se depreende das leituras das matérias que sustentam essa argumentação, o desgaste de Frota teria se iniciado com a evidenciação da violência em São Paulo, em especial com a saída do general Ednardo D’Ávila do comando do II Exército. Ficando clara a insustentabilidade do ministro no cargo, o recurso era uma “uma saída honrosa”. Segundo o que observamos ou o general Frota seria nomeado como ministro do Supremo Tribunal Militar (STM) ou ele deveria pedir demissão do cargo, uma vez que a decisão de demitir o comandante do II Exército havia sido à revelia dele, decisão tomada em instância superior, sem seu consentimento. Como se sabe, nenhuma das duas opções ocorreu. O general Sylvio Couto Coelho da Frota foi exonerado do ministério do Exército pelo presidente Ernesto Geisel em 12 de outubro de 1977. Seu último lance no tabuleiro de xadrez do poder ocorre já no governo do general Figueiredo, em janeiro de 1979. Quando, em uma conversa com um general amigo de Frota, Ana Lagôa foi informada que o ex- ministro estava escrevendo um livro em que iria relatar os acontecimentos do tempo em que era ministro que deveriam deixar o governo Geisel “muito mal”.


Flávia Sanches de Carvalho é tecnóloga em Marketing, Mestre em Ciência Política (Universidade Federal de São Carlos) e Doutoranda em Ciência Política (Universidade Federal de São Carlos). E-mail: flaviasanches81@gmail.com


(1) A jornalista Ana Lagôa foi responsável pela área militar nas sucursais da Folha em Brasileira e no Rio de Janeiro durante o governo Geisel. Uma biografia mais completa da jornalista está disponível em: http://www.arqanalagoa.ufscar.br/artigos/QuemeAnaLagoa.asp. Acesso em 28/05/2020.

(2) A base documental utilizada nesse texto são as matérias assinadas ou atribuídas à jornalista, disponíveis no Arquivo de Política Militar da UFSCar. Não faremos uma análise pormenorizada, buscaremos aqui apenas dar sentido às tendências dos fenômenos mais gerais publicitados pelo jornal. Adiantamos que as biografias dos diversos atores aqui nominados podem ser consultadas no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FVG), cujo endereço eletrônico é https://cpdoc.fgv.br/.



Referências D’ARAUJO, Maria Celina. e CASTRO, Celso (org.) Ernesto Geisel. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997. FROTA, Sylvio. Ideais traídos. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. GAPARI, Elio. A ditadura escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. GASPARI, Elio. A ditadura encurralada. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. HAYASHI, Maria Cristina. Piumbato Innocentini. Arquivo Ana Lagôa UFSCar. Que é Ana Lagôa, 2012. Disponível em:http://www.arqanalagoa.ufscar.br/artigos/QuemeAnaLagoa.asp acessado em 20/08/2018. MARKUN, Paulo. Meu querido Vlado: A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração. São Paulo: Objetiva, 2015.




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