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O que esperar das esquerdas nas Eleições 2022?

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    Grupo Editorial
  • 11 de ago. de 2023
  • 9 min de leitura

Luana Darby Nayrra da Silva Barbosa, Tailon Rodrigues de Almeida



Poliarquia - Revista de Política & Cultura

ISSN 2675-3529 - Volume 3 - ed001 - 2023

Recebido: 30.01.2022

Aceito: 17.12.2022

Publicado: 12.08.2023



No dia 19 de dezembro de 2021, em um domingo, ocorreram eleições presidenciais mais disputadas de todos os tempos no Chile, que contou com 55,7% de participação após o retorno do voto obrigatório no país. O País elegeu o bacharel em direito, ex-líder estudantil e então deputado federal Gabriel Boric, 35, liderança de esquerda da coalizão Apruebo Dignidad, derrotando no segundo turno por 55,86% a 44,14% o candidato da extrema-direita chilena José Antonio Kast, 55, que também possui no currículo bacharelado em direito e mandato atual como deputado federal (PÁGINA 12, 2021). O que os diferencia? Kast é filiado ao Partido Republicano chileno, apoiou abertamente a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e é ultraconservador católico. O republicano recebeu o apoio internacional do atual presidente da República do Brasil Jair Bolsonaro (PL) durante a campanha.

Na campanha, a coalizão de Boric se aproximou dos ex-presidentes Ricardo Lagos (2000-2006) e Michelle Bachellet (2006-2010/2014-2018), que formaram a coalizão de centro-esquerda Concentración nos anos 2000. O Chile vem ensaiando uma retomada democrática à esquerda desde 2020, quando houve o plebiscito para uma nova constituição chilena, impulsionada por partidos progressistas, movimentos de esquerda e movimentos independentes, o que foi visto como uma derrota para o atual presidente da república Sebastián Piñera (sem partido), representante da centro-direita e conservador. O marco foi importante para o país, que teve sua última constituição promulgada em 1980 ainda na ditatura de Pinochet e país que é considerado o berço do neoliberalismo na América Latina. A vitória de Boric significa o reposicionamento de poderes no Chile e na América do Sul. No entanto, o novo presidente não terá vida fácil para legislar, pois possui um Parlamento de oposição de direita e esquerda forte fora da Frente Ampla da qual ele compôs (74 deputados de esquerda e 68 deputados de direita), e haverá eventualmente a necessidade de dialogar com o centro político e com a direita chilena para poder colocar na pauta temas importantes para a sociedade, como a economia, direitos sociais, sexuais e reprodutivos – como o direito ao aborto (BBC BRASIL; FOLHA DE S. PAULO, 2021).

O Brasil vive em pleno clima de campanha com menos de 1 ano para as eleições de 2022, e certamente a onda política de centro esquerda contra extrema direita na América Latina, Estados Unidos e Europa (como a Alemanha) vem desempenhando papeis importantes no rearranjo político para as eleições presidenciais. O país atravessa uma alta despolitização de jovens e adultos desde 2013, quando ocorreram as Jornadas de Junho e viu ascender uma “nova direita” e vários candidatos “outsiders” que reivindicavam menos “politicagem” e mais “liberdade e família”, articulação que fez sair nomes como ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro Jair Bolsonaro, o astrólogo, ideólogo e “guru” nova extrema direita, o já falecido Olavo de Carvalho, e novos movimentos de direita como o Movimento Brasil Livre (MBL). Juntas, elas articularam ondas de protesto e ativismos antidemocráticos contra Lula (PT) e Dilma Rousseff (PT). Desta última, se apresentaram como apoiadores populares do impeachment da petista, que saiu do poder em 2016 e teve seu lugar ocupado pelo vice, Michel Temer (MDB).

Os discursos anti-direitos, anticomunista e anti-progressista e lavajatista deram o tom de campanha preciso para as campanhas municipais de 2016 e 2018. As redes sociais e plataformas como Twitter, Whatsapp, Facebook e Youtube foram ferramentas articuladas por esses grupos e utilizadas em massa para espalhar conteúdo ultraconservador, ultra-diretista e a desinformação com a disseminação de fake news, recursos introduzidos nas eleições de 2016 nos Estados Unidos, que ajudaram a eleger o magnata Donald Trump. Logo mais, foi revelado escândalo da Cambridge Analytica e uso ilegal de perfis do Facebook. A empresa de dados foi contratada por Steve Bannon, entusiasta da campanha de Trump. A campanha pelo Brexit, no Reino Unido, também teve seu debate público controlado pela mesma Cambrigde. Em um esquema similar, descobriu-se que no Brasil conteúdos e formatos semelhantes foram financiados por empresários que apoiaram a candidatura do ex-militar da reserva Jair Bolsonaro como forma de favorecer sua campanha para a presidência da República, como revelou a jornalista Patrícia Campos Mello em seu livro “A Máquina do Ódio” (Companhia das Letras, 2020). O resultado disso foi a perda de mandato do PT nas prefeituras. Entre os partidos de esquerda do Brasil (PT, PSB, PDT e PCdoB) nas eleições de 2016, foram de 1.439 mandatos para 1.085. A perda maior foi de prefeituras nas mãos do Partido dos Trabalhadores, que ganhou em 638 municípios em 2012 e diminuiu para 254 em 2016. PDT e PCdoB foram os únicos partidos que registraram aumento de 28 prefeituras e 27 legislaturas no executivo municipal, respectivamente (BBC BRASIL, 2016).

A esquerda observa sua fragmentação política tomar proporções gigantescas em 2018. Em números, esses dados expressam bastante, quando os partidos elegeram 25% a menos em relação a 2010, que foi de 527 representantes para 393 (ISTOÉ, 2018). A ala progressista passou por diversos eventos que levaram o seu desgaste, como o Mensalão, em 2005, no primeiro governo Lula, as Manifestações de Junho, em 2013, no primeiro governo Dilma, as manifestações contra a Copa do Mundo FIFA no Brasil, em 2014, seguida das eleições de 2014, quando a polarização PT-PSDB, que vinha desde 1994 modulando o sistema político-eleitoral, ganhou novas proporções quando o candidato do PSDB à Presidência Aécio Neves resolveu questionar o resultados das urnas no segundo turno; o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, o crescimento da candidatura de Jair Bolsonaro e a prisão de Lula em abril de 2018, consolidada por uma manobra do ativismo judiciário, que teve como seu principal algoz o ex-juiz Sérgio Moro, hoje pré-candidato à presidência da República pelo Podemos.

Em 2018, o PT se encontrava bastante fragilizado, se vendo obrigado a trocar sua chapa - de Lula para Fernando Haddad (PT-SP), então candidato a vice, e a escolha de Manuela D´ávila (PCdoB – RS) como vice de Haddad, escolhas que não foram bem aceitas e nem tiveram o apoio amplo do próprio partido e de outros agrupamentos da esquerda. PDT, PSB, Psol e Cidadania, alguns desses ex-aliados, procuraram se distanciar de Lula e do PT, alegando que o partido centraliza a liderança política de esquerda e não deixa brechas para a participação efetiva de outros partidos e líderes. A falta de uma frente ampla e de táticas de mobilização e unidade de esquerda podem apontar para um aspecto de como foi a derrocada da esquerda nos últimos anos. Do outro lado, o Bolsonarismo crescia através da mobilização conservadora, militar. empresarial e da juventude nas redes sociais. Após a eleição de Bolsonaro no segundo turno, contra Fernando Haddad, por 55,54% a 44,46%, com uma abstenção de 21,07% (TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, 2018), muda-se o cenário de preferências políticas do eleitorado no país. O Que Esperar das Eleições de 2022 Diante do quadro acima exposto e com a contagem regressiva para o pleito em 2022, a pergunta fundamental para as esquerdas e para nossa democracia é: o que esperar de outubro de 2022? De saída, é preciso salientar que as articulações já estão em curso e o mundo político começa ano bastante agitado. No entanto, qualquer análise pode carecer de elementos que virão a se consolidar nos próximos meses. Algumas análises apressadas ressaltam o fato de que todo presidente de primeiro mandato que tentou se reeleger obteve êxito. Faltou mencionar que isso se restringe a 3 dos 7 presidentes desde a redemocratização (desconsiderando aqui Tancredo Neves, que nem chegou a ser empossado, apesar de eleito, e o atual presidente Jair Bolsonaro). Não é automática a reeleição de um presidente, e caso a rejeição do incumbente atinja valores estratosféricos não é sensato descartar a possibilidade de desistência.

É preciso lembrar também que as eleições são temáticas e, do ponto de vista contextual os temas da corrupção, segurança pública e de costumes deram o tom dos discursos da direita no Brasil em 2018. Neste aspecto, a palavra corrupção, impulsionada pelo lavajatismo, atuou como um conceito “guarda-chuva”, de fácil compreensão e com capacidade de agrupar e dar sentido às indignações coletivas. Entretanto, há sinais claros vindos da economia de que este tema será apenas marginal em 2022 e que o debate sobre inflação, (des)emprego e renda dominarão. Além disso, outra mudança de contexto fundamental se deve ao fato de que, em eleições nas quais há um incumbente buscando se manter no poder, o caráter plebiscitário sobre seu governo domina grande parte dos embates entre os candidatos. A destruição da economia e o desmantelamento de políticas públicas construídas durante décadas, a queda da transparência, a recusa em liderar o combate à maior pandemia do século e outros resultados do governo Bolsonaro serão fatores que jogarão contra o atual mandatário.

Em relação às intenções de voto, embora seja preciso ter cautela para mensurar o impacto do Auxílio Brasil na popularidade de Bolsonaro, as pesquisas apontam enorme favoritismo de Lula na faixa dos mais afetados pela crise econômica. Não obstante, se em 2018 Bolsonaro foi bem em grandes centros urbanos, o bolsonarismo parece ter se interiorizado e enfrentado muita resistência em regiões metropolitanas. Sua rejeição bate recordes entre as mulheres, nordestinos e as classes mais baixas, chegando a 60% do eleitorado. Em 2018, o Nordeste manteve grande apoio ao PT e atualmente Lula tem levado vantagem também na Região Sudeste, segundo dados do Datafolha. Entre os evangélicos, o petista já iguala Bolsonaro em preferência de 1/3 do segmento e segue em ritmo de alta.

Do lado da oferta política, o petista lidera uma articulação que poderá resultar na federação de legendas de esquerda e centro-esquerda. A aproximação com o ex-tucano e ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckimin, desarticulou a direita e indica um pacto entre correntes tradicionalmente adversárias. Há ganhos e custos nessa improvável aliança: 1) pode viabilizar uma eleição mais segura e até mesmo em 1º turno do petista; 2) facilita uma coalizão que integre mais partidos ao centro e à direita; 3) pode isolar a direita golpista em falanges bolsonaristas que buscam destruir a democracia. Entretanto, uma aliança com um personagem de direita é suficiente se não for composta por partidos fortes deste campo político? Resposta difícil tendo em vista a inexistência de um partido de direita capaz de vertebrar o apoio dentro do segmento. E para Lula e o PT? Há sim a possibilidade de que se abram brechas para outras lideranças e partidos de esquerda assumirem um eleitorado de esquerda mais crítico ao PT. O psolista Guilherme Boulos, por exemplo, tem obtido êxito dentro deste eleitorado. Além disso, Alckimin é uma direita linha-dura, com relações tensas com professores e movimentos sociais, e suas gestões tiveram atuação truculenta da Polícia Militar paulista sobre movimentos mais à esquerda. E para Alckimin? O PSDB está no comando do estado mais populoso do país desde 1995, e mesmo não fazendo mais parte do PSDB, Alckmin ainda é símbolo dessa hegemonia tucana em SP. Certamente haverá custos não desprezíveis para o ex-tucano frente a seu reduto eleitoral.

Há a tentativa de um pacto de governabilidade para Lula que, caso eleito, terá de lidar com uma direita profundamente antidemocrática e com capilaridade em setores da sociedade e do arcabouço institucional. Além disso, o envolvimento de militares na política também não se esgotará após a saída de Bolsonaro e certamente não teremos de imediato um padrão de relação entre civis e militares harmonioso. A opção por Alckimin vem também para ter força e operar a descida dos fardados. Apesar das pesquisas indicarem um ambiente favorável à candidatura de Lula, 2022 não será fácil e definirá o futuro da democracia no Brasil. É preciso que nos mantenhamos vigilantes, pois o pleito de 2018 nos mostrou que anomalias institucionais podem comprometer diretamente a democracia. Em especial, é preciso estar atento ao comportamento dos militares e de setores do MP a fim de que possamos interromper a recessão democrática. Mesmo sendo favorita eleitoralmente, a esquerda segue sendo minoritária na composição de forças políticas e precisará abrir seu arco de alianças para pactos de reconstrução nacional. Referências PÁGINA 12. Los Records Que Batió Gabriel Boric en La Elecciones de Chile. Disponível em: <https://www.pagina12.com.ar/390551-los-records-que-batio-gabriel-boric-en-las-elecciones-de-chi >. Acesso em: 20 dez 2021. FOLHA DE SÃO PAULO. Novo Presidente do Chile Não Terá Maioria no Congresso. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/11/novo-presidente-do-chile-nao-tera-maioria-no-congresso.shtml>. Acesso em: 20 dez 2021. BBC BRASIL. Eleições no Chile: Para Onde Deve Ir O País Após a Escolha do Novo Presidente. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59687382 >. Acesso em: 20 dez 2021. BBC Brasil. Como As Eleições Municipais Desidrataram os Partidos de Esquerda? Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-37710397 > Acesso em: 21 dez 2021. ISTOÉ. Esquerda Perde Representação no País. Disponível em: <https://istoe.com.br/esquerda-perde-representacao-no-pais/>. Acesso em: 21 dez 2021. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Presidente do TSE Confirma A Eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Outubro/presidente-do-tse-anuncia-eleicao-de-jair-bolsonaro-para-presidente-da-republica >. Acesso em: 21 dez 2021. Luana Darby Nayrra da Silva Barbosa é Mestranda em Ciências Sociais – Unesp/FCLAr. Licenciada e Bacharela em Ciências Sociais - Unifap. Coordenadora de Pesquisa do Pro-jeto “A Vida Sobre às Águas” – parceria Utopia Negra Amapaense e Instituto Clima e Sociedade (ICS). Membro do grupo de pesquisa Direitos Sociais, Cul-tura e Cidadania - Unifap e Laboratório de Política e Governo da Unesp - LabPol/Unesp. Membro do Co-letivo Utopia Negra Amapaense. E-mail: luanadarby63@gmail.com Tailon Rodrigues de Almeida é Doutorando em Ciência Política (UFSCar), Mestre em Ciência Política (UFSCar), Graduado em Ciências Sociais (Unesp/FCLAr). Editor-chefe da revista Agen-da Política (PPGPol-UFSCar). Membro do NEPPLA (Núcleo de Estudos dos Partidos Políticos Latino-Americanos) e do LabPol/Unesp (Laboratório de Política e Governo da Unesp). E-mail: tai-loncp@gmail.com


 
 
 

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