Participação da África do Sul no IBAS e BRICS: a cooperação sul-sul em debate
- Grupo Editorial
- 29 de mai. de 2020
- 6 min de leitura
Atualizado: 11 de jun. de 2020
Gabriel Galdino
Poliarquia - Revista de Política & Cultura
ISSN 2675-3529 - Volume 1 - ed003 - 2020
Recebido: 28.05.2020
Aceito: 29.05.2020
Publicado: 29.05.2020
Em julho de 2018 aconteceu a 10a Cúpula do BRICS em Joanesburgo, na África do Sul, visto que o governo sul-africano exerce, atualmente, a presidência rotativa do bloco político-diplomático. Neste mesmo ano, existiu um forte indicativo de acontecer um encontro do IBAS, após seis anos sem reuniões formais. Atualmente, em 2020, faz uma década sem encontros. Dessa forma, para entender essa ausência do arranjo trilateral, é importante salientar que a entrada da África do Sul no BRICS, em 2011, demonstrou, além da adição de um elemento simbólico e geopolítico ao grupo, ser parte de uma estratégia chinesa em ofuscar o IBAS e o papel da Índia como líder ideológico do “Sul Global”. Em vista desse cenário, no qual a África do Sul se insere em dois fóruns múltiplos de Cooperação Sul-Sul, levantamos a seguinte questão: vem ocorrendo uma sobreposição do BRICS em relação ao IBAS para a África do Sul? Ambas organizações apresentam aspectos complementares, mas o BRICS é distinto do IBAS, uma vez que seu papel tem se centrado mais no campo econômico-financeiro do que na área da cooperação política e integração comercial, prioridades do arranjo trilateral. Vale ressaltar que o IBAS não somente abriu novos caminhos para a Cooperação Sul-Sul como esteve na raiz da criação do BRICS, representando uma inédita articulação entre países em desenvolvimento que gerou importantes resultados em negociações na Organização Mundial da Propriedade Intelectual e Organização Mundial do Comércio (OMC), além de avanços em cooperação setorial em áreas como ciência, tecnologia e defesa. Por outro lado, ao mesmo tempo em que a cooperação multissetorial intra-BRICS vem ganhando densidade cada vez maior, o agrupamento tem angariado uma autonomia crescente no ambiente internacional por meio da criação de instituições financeiras como o Banco do BRICS e o Arranjo Contingente de Reservas. Como indicado pelo título, esse artigo tem como objetivo geral analisar a presença da África do Sul nos dois organismos multilaterais de Cooperação Sul-Sul, com ênfase nos interesses sul-africanos. Dessa forma, esse texto se enquadra numa metodologia qualitativa com o escopo de tentar chegar ao mais próximo possível de uma resposta da problemática levantada, utilizando-se de fontes primárias e secundárias sobre o assunto. Desde o fim do apartheid na África do Sul, o país passou a desempenhar um papel mais expressivo no cenário internacional com o propósito de participar do centro de decisões de governança global. Assim, durante a presidência de Nelson Mandela, Thabo Mbeki e o presidente ínterim Kgalema Monthlanthe (1994-2010), a política exterior africana se empenhou no objetivo de se tornar uma voz de liderança do continente africano, por meio da criação da União Africana e de outras alianças de Cooperação Sul-Sul (SHOBA, 2016). Um dos frutos dessa política sul-africana foi a criação do IBAS em 2003 o qual representa um marco para a Cooperação Sul-Sul (KORNEGAY, 2013). Não obstante, apesar das cúpulas do IBAS não terem sido realizadas por mais de 6 anos, o Fórum não pode ser considerado como obsoleto. Existe um grande pro- gresso produzido pelo grupo em termos de compromissos e suas implementações.
Desde o início, a Cúpula do IBAS se concentrou em aumentar o comércio entre seus países membros, obtendo importantes êxitos durante a rodada de Doha e outras negociações da OMC. Um dos mais importantes compromissos foi a iniciativa de estabelecer laços econômicos entre o MERCOSUL-SACU-Índia, em um amplo Acordo Trilateral de Livre Comércio. Para a cooperação regional no continente africano, tem-se o significativo apoio declarado pelo IBAS à Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD), em 2007, como programa chave para a União Africana (KORNE- GAY, 2013; SHARMA, 2017). O Fundo IBAS, criado em 2004, mostrou o verdadeiro potencial do arranjo trilateral, permitindo o financiamento de projetos para a redução de pobreza em todo o mundo. Ademais, o IBAS se destaca por sua coordenação em questões políticas e de segurança. Por este último, tem-se a realização de um exercício militar naval conjunto no Oceano Índico, a cada dois anos, conhecido como IBSA-MAR (SHOBA, 2017). Com a adesão da África do Sul no BRICS, o impulso de sua política externa em se tornar líder regional e um ator global ganhou ainda mais força, enquanto a sua orientação voltada ao liberalismo terminou aderindo novas abordagens mais desenvolvimentistas e “soberanistas” (NEL, 2017). Ser convidada para participar do BRICS em 2010, foi um evento importante para o país, assim, o então Ministro de Relações Internacionais e Cooperação da África do Sul Nkoane Mashabane declara: “IBSA has become even stronger now that South Africa is a member of BRICS. [...] The mandates of both BRICS and IBSA are similar and com- plementary”(1) (ÁFRICA DO SUL, 2010, s/p). Esse acontecimento foi utilizado pelo presidente sul-africano Jacob Zuma (2009 - 2018) como um sucesso de sua política exterior. Seu interesse não era apenas angariar uma reputação ao país como potência regional, mas aproveitar as oportunidades comerciais oferecidas pela China e Rússia (NEL, 2017). A V Cúpula do BRICS, em 2013, intitulada “BRICS e África: Parceiros para o Desenvolvimento, Integração e Industrialização” teve sede em Durban na África do Sul. Nesse grande evento, discutiu-se sobre a criação de organismos financeiros – o Banco do BRICS e Arranjo de Contingente de Reservas, lançados no ano seguinte – e a sua relevância nos possíveis projetos de infraestrutura que contribuiria para o processo de industrialização na África (BRASIL, 2013).
Segundo Nel (2017), diferentemente do esperado pelo governo Zuma, a inserção da África do Sul no BRICS não contribuiu para uma “transformação radical” da economia sul-africana, em favor de um modelo de crescimento mais inclusivo, focado no desenvolvimento liderado pelo Estado. Desde que a África do Sul se juntou ao grande bloco, é notável um aprofundamento da natureza econômica exclusivista do país, aliado a um processo de desindustrialização. Nesse sentido, mostra-se necessário revisitar o IBAS, uma vez que os chineses não apenas têm impulsionado o BRICS, mas também vêm invisibilizando o IBAS via o estabelecimento de relações mais estreitas com o Brasil e a África do Sul (SHARMA, 2017). Ademais, ressalta-se que a relação entre o IBAS e o BRICS não deve ser interpretada com base de soma zero (ARRUDA; SLINGSBY, 2014). Esses pesquisadores apontam que o IBAS possui um significativo potencial de fortalecer o BRICS em termos de sinergias geoestratégicas. Ainda que o peso político do IBAS pareça ser mais fraco, existe um forte interesse por parte das organizações da sociedade civil, a qual se deve particularmente ao caráter democrático do grupo. É possível identificar uma mudança no perfil da África do Sul em termos de sua participação nos espaços de governança global, com a concentração em seu papel como “porta de entrada”(2) do continente africano. Observando a retórica do governo sul-africano, denota-se a existência de um grande interesse na manutenção do IBAS e do BRICS, uma vez que coexistência de ambos grupos fornece maior manobra às relações político-comerciais com a Índia e a China. Entretanto, embora não possa afirmar pelo discurso sul-africano que tenha ocorrido uma sobreposição do BRICS em relação ao IBAS, é evidente que o primeiro tem ganhado maior destaque, visto que a cada ano se verifica um aumento da presença chinesa no continente, em termos comerciais e de investimentos. Por outro lado, mesmo estando na “sombra” do BRICS, o IBAS continua operante por meio do IBSA-MAR, do Fundo IBAS e de seu Programa de Intercâmbios. Nesse sentido, alguns analistas argumentam que a equação IBAS-BRICS representa implicitamente uma competição entre a Índia e China. Todavia, essa oposição não apresenta consequências significativas para a África do Sul, sendo mais provável, portanto, que os dois blocos se encontrem apenas em níveis diferentes de multilateralismo Sul-Sul.
Gabriel Galdino é graduado em Relações Internacionais (Universi- dade Federal do Pampa), atualmente é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Integração na América Latina da Universidade de São Paulo (PROLAM/USP). E-mail: galdinogabriel@usp.br
(1) O IBAS se tornou ainda mais forte agora que a África do Sul é membro do BRICS. [...] Os mandatos do BRICS e do IBAS são seme- lhantes e complementares (tradução nossa).
(2) Embora esse status seja em grande parte auto-atribuído pela África do Sul, faz-se importante frisar que isso não significa que o essa “liderança” seja popular em todo o continente (NEL, 2017).
Referências ÁFRICA DO SUL. Departamento de Relações Internacionais e Cooperação. Minister Nkoana-Mashabane on SA full membership of BRICS. Pretoria, 2010. Disponível em: <https://bit.ly/2rzXoxm>. Acessado em: 20/04/2018. ARRUDA, P. L.; SLINGSBY, A. K. Digesting the Alphabet Soup: a Comparative Institutional History of IBSA and BRICS. IPC-IG Policy Research Brief Series, 2014. Disponível em: <https://bit.ly/TOWtp9>. Acessado em: 20/04/2018. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. V Quinta Cúpula do BRICS. Brasília, 2013. Disponível em: <https://bit.ly/2KchWD4>. Acessado em: 20/04/2018. KORNEGAY, Francis A. SOUTH AFRICA, THE SOUTH ATLANTIC AND THE IBSA-BRICS EQUATION: THE TRANSATLANTIC SPACE IN TRANSITION. Austral: Brazilian Journal of Strategy & International Relations, 2013. Disponível em: <https://bit.ly/2G24Yp2>. Acessado em: 20/04/2018. NEL, Philip. South Africa, BRICS, and Global Governance: How SA Tried to Change the World and Succeeded in Chang- ing Itself. Dunedin: Universidade de Otago, 2017. Disponível em: <https://bit.ly/2rASKyk>. Acessado em: 20/04/2018. PANDA, Jagannath P. China and IBSA: Possible BRICS Overreach? New Delhi: Strategic Analysis, 2013. Disponível em: <https://bit.ly/2I71gQT>. Acessado em: 20/04/2018. SHARMA, Arundhati. India-Brazil-South Africa (IBSA) Trilateral Forum: An Appraisal of Summits. 2017. Disponível em: <https://bit.ly/2KSNxek>. Acessado em: 20/04/2018. SHOBA, Muzi Sipho. AN ASSESSMENT OF SOUTH AFRICA’S MEMBERSHIP IN THE BRICS FORMATION IN RELATION IBSA AND SADC. África do Sul: Universidade de Zululand, 2016. Disponível em: <https://bit.ly/2wxyuU0>. Acessado em: 20/04/2018.
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