Pobreza como elemento estrutural da reprodução ampliada de capital
- Grupo Editorial
- 10 de jul. de 2020
- 4 min de leitura
Jadir Eduardo Corrêa Junior
Poliarquia - Revista de Política & Cultura
ISSN 2675-3529 - Volume 1 - ed010 - 2020
Recebido: 15.06.2020
Aceito: 02.07.2020
Publicado: 10.07.2020
As previsões de que a pobreza no Brasil deve se agravar substancialmente com a pandemia do novo coronavírus faz necessário que voltemos a pautar o tema da pobreza em termos teóricos para, alicerçados com as reflexões críticas, possamos analisar o contexto atual como elemento estrutural para subsidiar políticas públicas futuras para o enfrentamento dessa mazela nacional.
É fato que existem muitas teorias sobre a pobreza que são, por suposto, inspiradas em diferentes concepções de perceber a sociedade e diferentes alternativas para o seu combate, como pode ser visto nos trabalhos da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) organizados por Bielschowsky (2000) e mais recentemente por Sen (1999). Não abordaremos aqui, mas é importante adiantar que as teorias conservadoras veem a pobreza como resultado do funcionamento imperfeito do sistema socioeconômico, somado ao estilo de desenvolvimento, um resultado conjuntural do sistema produtivo. Por outro lado, visões mais progressistas do tema tratam a pobreza como estrutural, sendo ela a privação a um conjunto de necessidades básicas que não se resumem a renda, resultado da orientação das relações sociais de produção decorrente da civilização industrial. Esta abordagem tem como proposta de combate à pobreza mudanças mais profundas no sistema de produção atual, como reorganização de valores, transformações na propriedade e no controle dos meios de produção, estruturas produtivas, comerciais e financeiras, e na ordem econômica internacional para que a reestruturação combine redistribuição e crescimento (HOBSBAWN, 1995).
Dito isso, nosso objetivo aqui é lançar luz à perspectiva marxista para pensar a pobreza como uma questão inerente à reprodução ampliada de capital. Dentro do campo marxista são encontrados fundamentos para a explicação da pobreza a partir de suas determinações estruturais, fenômeno imanente à condição do processo de acumulação, dada a divisão de classes, quando se separa os meios de produção de uma parcela da população, e não resta outra perspectiva à imensa maioria que não seja vender sua força de trabalho. Porém, independentemente da possibilidade de mobilidade social, permanece, ao longo do tempo, a existência de um exército industrial de reserva, e, também, da exploração e da desigualdade social (MARX, 1988).
Assim, a exploração é intrínseca à constituição do sistema de produção capitalista, dado a manutenção da propriedade privada e da separação dos trabalhadores dos meios de produção, o que leva à concentração da propriedade nas mãos dos – poucos – capitalistas, possibilitando então a extração da mais-valia, pela apropriação do excedente do trabalho, uma vez que há monopólio sobre a propriedade dos meios de produção e controle do uso do trabalho – sendo a força de trabalho considerada uma mercadoria (MARX, 1988).
A força de trabalho é – dentro do sistema capitalista – o fator essencial para a expansão do capital, e “acumular capital é, portanto, aumentar o proletariado” (MARX, 1988, p. 714). Esta relação desmascara o caráter antagônico da acumulação, sendo o acúmulo de capital acompanhado – e impulsionado – pela exploração e miséria do trabalhador. Dessa forma, partir das contribuições de Marx, a pobreza pode ser considerada como inerente ao sistema de produção capitalista, portanto estrutural, enquanto:
a) processo de expropriação de mais-valia e da repartição injusta e desigual da renda nacional entre as capitalistas e proletariados;
b) processo crescente de uma superpopulação relativa por demanda das necessidades do capital;
c) processo de concentração e centralização do capital, decorrente do movimento de proletarização; da tendência do assalariamento, exploração e desempregos crescentes.
Assim, para Marx (1988), apesar de defender ações favoráveis à melhora das condições de vida da classe trabalhadora, mesmo dentro do capitalismo – o que ele denominou de iniciativas que melhoram da gaiola que o prende –, conclui que a superação da pobreza só se daria através da superação da superestrutura da sociedade capitalista, através de um movimento revolucionário para o estabelecimento de uma sociedade sem classes e consequentemente sem exploração. Mas esta é uma perspectiva de longo prazo e que depende de condições específicas, e a necessidade diária de subsistência – no mínimo – permanece constante no curtíssimo prazo.
Por fim, territorializando essa discussão no Brasil, esse país fez uma escolha, a partir de 2003, por ampliar os programas assistenciais de distribuição de renda que privilegiou a população pobre e em pobreza extrema. Acompanharam esta opção várias outras iniciativas, como as medidas de proteção social, de valorização do salário mínimo e de expansão do crédito, apesar do esforço econômico para garantir o superávit primário e a manutenção do chamado tripé econômico. Os dados demonstram que houve significativa redução da desigualdade de renda, aumento do emprego formal e queda substancial do número de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza. Todavia, mantida a lógica neoliberal de reprodução ampliada de capital (CARVALHO, 2015), o esgotamento desse modelo tende a levar novamente uma parcela significativa da população economicamente ativa do país à extrema pobreza.
Jadir Eduardo Corrêa Junior é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e pesquisador do Núcleo de Pesquisa e Extensão Rural (NuPER/UFSCar). E-mail: jadir-junior@hotmail.com
Referências
BIELSCHOWSKY, R. (org.) Cinquenta anos de pensamento na América Latina. Rio de Janeiro: Record, 2000.
CARVALHO, Joelson G. Economia Política e Desenvolvimento: um debate teórico. São Carlos: UFSCar, 2015.
HOBSBAWM, Erik. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
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